Eu tinha 11 anos quando participei do meu primeiro concerto de piano. Eu estava de terno de gravata e ia tocar "A Valsa dos Soldadinhos", de Aymoré Brasil. Quatro páginas de partitura, um rádio gravando meus toques no piano e uma platéia de pais e familiares meus e dos outros alunos do Conservatório Musical Dom Feliciano. Minhas mãos tremiam só de pensar nos olhares da professora ao ouvir, em sua confortável casa, dias depois, a minha apresentação registrada ali naquela fita.
Toquei. Os aplausos vieram. Meus pais ficaram orgulhosos e, semanas depois, fiquei sabendo que minha nota tinha sido 8,5: um resultado nem tão baixo, nem tão alto. Eu era mesmo um pianista nem tão baixo, nem tão alto.
Naquela tarde do concerto, alguém tirou 10,0. Um menino que fora o último a tocar. O último porque era a estrela do Conservatório: Marcelo Schreiber. O Marcelo era quatro anos mais novo que eu - ele tinha 7! - e quatro anos a mais que eu no estudo do instrumento - ele tocava piano há quatro, enquanto eu estava terminando meu primeiro. E tocou uma composição cujo nome ou melodia eu já não me lembro, mas que tinha bem mais páginas que a minha. E recebeu bem mais aplausos que eu.
Os anos se passaram. Eu estudei até quase os meus 14 anos e, aos 16, minha mãe vendeu o piano e eu nunca mais precisei tocar nenhuma página de partitura nenhuma. O Marcelo seguiu estudando e arrancando aplausos nos pequenos e grandes concertos de que participava. Entrou na Ufrgs, se formou em Música e, quando eu tinha 25, fui assistí-lo no seu concerto de graduação. O Marcelo estava acompanhado de cantores líricos e a noite inteira fora unicamente dele. Horas de música da melhor qualidade, páginas e mais páginas de partituras cujas notas ele nem olhava mais. O resultado fora a Distinção.
Hoje encontrei o Marcelo quando estava saindo do trem. Estávamos no mesmo vagão, mas não nos vimos antes. O Marcelo não toca mais piano.
Casado, substituiu as teclas brancas e pretas e as partituras que não necessitavam mais seu olhar pelo serviço público na Prefeitura de Esteio, como auxiliar de escritório. Vendeu o piano e esqueceu o diploma, os aplausos e o rádio que gravava a apresentação para nos dar a nota semanas depois. O Marcelo recebe uma nota mais ou menos, nem tão alta, nem tão baixa, todo final de mês. Uma nota certa, garantida e necessária.
Hoje, ao encontrar o Marcelo, eu descobri que a adolescência acaba quando a música pára nas nossas vidas.
2 comentários:
Muito bem escrito, Rodrigo...
Espero que eu nem você deixe a música silênciar nas nossas vidas... E , principalmente, que não deixemos que os outros - o mundo- nos cale...
Uma vida ausente de música é tão seca...
Por que tu tirou o outro texto (aquele que só os inteligentes conseguem ver)?
Bjooooo
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